segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O Deus que eu criei

Era uma menina boba, diziam mimada... sempre tive todas as ferramentas para ser feliz, e não o era. Algo me faltava. O que poderia ser? Lá no fundo eu sabia. Era Deus.

Mas o que é essa falta de Deus?
É uma falta de si mesma, o que seria redundante num mundo onde as pessoas levam a sério sermos à imagem e semelhança Dele, porém não o é.
Nasci católica, e a igreja foi o primeiro lugar em que não encontrei Deus. Nunca entendi o rito católico e me sentia cercada de um Deus de barro e gesso. Eu falava e ele não respondia. Era frio e vazio. E a catequese obrigatória me fazia cada dia gostar menos desse Deus impositor.
Com 11 anos conheci o espiritismo. Ia ao centro acompanhar minha mãe e minha interação se resumia a brincar com as crianças do lado de fora das palestras, o que já era mais agradável do que passar horas sentada num banco duro sem dar um pio. Peguei gosto pelas câmaras de passe, me sentia leve e feliz naquele ambiente. Escutava minha mãe me contando histórias para explicar como funcionava o espiritismo e me apaixonei. Com 13 anos li violetas na janela, com 15 entrei pro trabalho na caridade.
O espiritismo foi bom comigo, e me ajudou a enfrentar uma fase que hoje me parece simples e bobo, mas que à época era deveras complicado para minha mente juvenil, e o que não é? tenho plena consciência de que meus problemas de hoje parecerão fúteis e singelos no futuro.
O Deus espírita é o Deus que não age. e isso me agrada muito, pois é a característica que mais incentivo no Deus que eu criei. O Deus espírita respeita o livre arbítrio e permite que você plante e colha sem distinção por prece, terço, reza, novena ou dízimo. Perante Ele somos todos iguais e a diferença de proteção oferecida é aquela que sua própria mente cria quando você vibra coisas positivas e se sintoniza com o que existe de bom no mundo espiritual. Então, no meu entender, o Deus espírita me dava os caminhos e me deixava para caminhá-los por minha conta e risco, me ensinava a escolher e me permitia arcar com os prazeres e prejuízos das minhas escolhas. E isso me bastou durante anos. Dentro da religião espírita eu trabalhei a serviço do bem em bairros periféricos e com crianças carentes, o que me ajudava a manter os pés no chão e não me tornar mais uma patricinha mimada de escola particular, até porque meus pais não tinham uma situação financeira para sustentar isso.
O Deus espírita era bom também em consolar, para tudo ele possuía explicação e consolo. Nesse tempo perdi amigos, namorados e pessoas queridas, e tudo na vida tinha um porque, o que não te permite entrar em desespero, te ensina a confiar no futuro.
Com o tempo, o espiritismo sugou de mim o que eu tinha de mais precioso: meu livre arbítrio. As pessoas começavam a me cobrar: cobrar mais tempo, mais dedicação, mais estudo, e eu estava de volta à catequese tão detestada. Assim, me afastei.
E perambulei, pois religião pra mim era como um novo idioma, bastava eu aprendê-lo para conseguir me comunicar com Deus.
Nesse tempo vi vídeos, palestras e sites sobre todo tipo de "não crença", de George Carlin a Alienígenas do passado, tudo me encantava. Nesse tempo conheci também uma vertente de espiritualismo que acreditava em preto velho, exú e demais classes de espíritos. Não posso nem falar que conheci, porque apenas uma visita não foi suficiente para entender o ritual, porém foi suficiente para enxergar que existia um ritual. E isso abriu uma janela pra mim: O Deus que eu criei tinha que ter um ritual.
Um belo dia, após a separação dos meus pais, minha mãe resolveu se tornar Evangélica, e lá fui eu atrás do meu novo idioma. Minha melhor amiga, que por sinal é uma ótima pessoa, era dessa mesma religião e eu me agarrei a isso para acreditar que aquele só poderia ser um Deus bom. Doce engano. Aquela religião me fazia odiar aquele Deus, que havia me criado a partir de um simples capricho e um vil desejo de adoração, que me puniria caso eu agisse à maneira do meu próprio entendimento, e que me desconsideraria caso eu não fosse sua filha mais prodigiosa. Terror e raiva era o que me despertava essa religião e seus seguidores, que quanto mais falavam, quanto mais se justificavam e quanto mais embasavam suas loucas teorias num livro editado e publicado por humanos, mais deturbavam meu Deus interior. E foi assim que eu deixei de acreditar na Bíblia Sagrada.
Algumas pessoas dizem que só ignorantes não acreditam na Bíblia, e acredito nisso, porque por mais que eu não acredite nela, eu reconheço seu poder de fidelização. Eu a li inteira quando criança, não a versão original, mas uma versão ilustrada e simplificada para jovens, mas mesmo em minha mente juvenil, as atrocidades cometidas por esse Deus não pertenciam ao Deus que eu estava criando. Meu Deus era outro.
Fiquei só novamente, e ouvia as gotas pingando dentro de uma alma vazia. Parecia que o meu Deus havia desistido e me abandonado, a tristeza encontrou espaço, e eu rezei. Eu rezava sem acreditar. Rezava sem fé. Quando não conseguia me concentrar nas palavras, repetia as orações da igreja católica, rezei chorando e rezei sorrindo, pedindo a Deus para voltar para dentro de mim, e ele voltou.
Em uma época perturbada, em que eu perdia a cabeça e o controle das minhas emoções, em que eu não conseguia esvair a raiva sem choro e sem berro, num desses ataques, ele apareceu pra mim. Não seja ingênuo, eu não o vi com os olhos, eu o vi com o coração. E esse foi meu primeiro encontro com o Meu Deus. Quando eu achei que ia perder o controle da raiva que existia no meu coração, ele fez ela desaparecer e me encheu de amor, e eu chorei.
Chorei
Chorei
Chorei
Eu não sabia porque eu estava chorando, começou com um choro de raiva, de dor, de repente era só um choro, eram só lágrimas, era água, era um banho. E quando aquilo me limpou, eu continuei chorando, até que ele transformou a dor em amor, um amor que eu nunca havia sentido, um abraço sacro, uma ternura infinita. Aquele que me abraçava me amava tanto que parecia irreal, e era eu! Eu era quem me amava, e era outra pessoa, ao mesmo tempo que era eu também. Comecei a rir ao perceber o que tinha acontecido, e mesmo assim eu ria e chorava, e devia parecer uma doida, e mesmo sendo uma doida, eu continuava me amando, e foi quando eu me apaixonei pelo choro.
O Deus que eu criei tem muito choro! E esse choro merece um texto só sobre ele depois, quem sabe... Mas o choro já estava dentro de mim, ele já me pertencia (assim com o Deus que eu criei, mas na época eu não sabia disso), eu sempre fui apelidada de manteiga derretida nas escolas que passei, e esse choro me acompanha até hoje.
Após esse episódio eu descobri o Deus dentro de mim, e segui meu estudo dos idiomas divinos. Ainda não sabia ao certo em que acreditar, então eu adorava ouvir pessoas falando sobre o que elas acreditavam, sobre o que a igreja delas pregava. Entrei pro Yoga, fiz um curso de meditação. Ouvi falar de Budismo.
Nessa época eu já estava me formando na faculdade e havia muito alimentava a curiosidade sobre o Santo Daime, mas me faltava coragem para experimentar. Meu principal medo: entrar em uma viagem sem poder sair dela (de novo a erradicação do meu livre arbítrio me assustando).
Li, perguntei, investiguei, e broxei. Fiquei com medo e não fui na primeira, na segunda tampouco. As sessões aconteciam com o intervalo de 6 meses ou mais entre elas, isso porque era a primeira vez que eu tomaria o chá e era necessário uma sessão especialmente preparada para esse fim.
Fui nas reuniões, me preparei psicologicamente e nada, até que no terceiro convite, sem deixar o assunto descansar por muitos dias na mente, tomei coragem e fui. E foi maravilhoso...
E esse foi meu segundo encontro com o Deus dentro de mim. Cheguei, e logo de cara tive a impressão de ser um local de paz e de pessoas boas, o que era um ponto forte para alguém que julga a religião pelas pessoas que dela fazem parte. Todos me tratavam com especial carinho e dedicação. Sentei em uma cadeira no salão e esperei a cerimônia começar com certo receio, a cerimônia teve início, eu fui com a massa, levantei, tomei meu chá, (que quase vomitei de tão amargo) e sentei novamente. A cerimônia em si me causou repulsa e preconceitos por motivos que não cabe a mim enumerar, porém eu estava rezando novamente, pedindo a Deus para eu encontrá-lo também nesse idioma, também naquele local, também naquele templo, sem saber que na verdade, eu o encontraria dentro de mim.
Depois de uns quinze minutos acordada acompanhando as falas da cerimônia, comecei a cair num sono tranquilo e sonhei.
O sonho começou no escuro, e com algo escondido. Um ponto de luz que me fazia querer segui-lo e assim o fiz. Eu o segui por túneis coloridos e cenários agradáveis, primeiro por curiosidade de saber o que seria aquela pequena coisa escondida. As vezes ela emergia, as vezes submergia nas cores, como que para me manter na busca, não deixar dissipar meu interesse. Me lembro de passar por cenários de video games, e nesse momento acordar um pouco e pensar: "seja o que for que estou seguindo, ele me conhece, pois sabe que eu gosto de video games, ele sabe quem eu sou". Eu segui essa centelha de alguma coisa por um tempo que pareceu muito longo para mim, até que ao final ela deu um grande salto submergindo do túnel colorido e mergulhando na escuridão. Estávamos no universo e ao nosso redor, pincelavam pequenas outras luzes, como estrelas. Finalmente pude ver o que eu estava seguindo e era também uma estrela, maior e mais perto do que as demais. Ela parou acima, como se me observasse, e foi então que eu senti. e num segundo tudo fez sentido.
Aquela era eu. Aquela era Deus. Quem ela era então?
Era as duas coisas. Quando acordei desse sonho gostoso eu me amava com a mesma intensidade que senti no meu primeiro encontro com Meu Deus interior. Sentia um amor profundo e inabalável. E não só isso, a compreensão veio depois. Não somos só criados à imagem e semelhança do Senhor, nós somos o Senhor. 
“Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? (...).” (I Cor. 6:19–20)
Não existe um Deus Celestial nos esperando no céu após a morte! Nós somos Deus! Nós somos parte de um todo e esse todo, junto, é Deus. Deus é a fagulha que habita em todas as coisas. Deus é a fagulha que me guiou por túneis coloridos para me mostrar que o que realmente ele é, sou eu! Deus não está comigo, porque ele está em mim. Ele sou eu e eu sou ele. E ele me ama mais do que tudo e me conhece mais do que tudo, porque ele sou eu que se dividiu em milhões de partes para criar o universo em que eu habito e que me presenteou com minha consciência. 
Complicado né? Talvez até muito Zen... Mas tudo isso apareceu na minha mente em segundos, um insight.
E foi lindo, porque aquela luz era linda! Ela era pura, clara e límpida, sem erros, sem pecados, sem mazelas. Ela era completamente inocente e doce. Era uma criança. Era só uma luz! Era uma coisa tão linda que acordava e voltava a dormir pra continuar perto dela. E no momento que eu entendi que aquela luz tão linda era eu, eu chorei! Eu era pura! Eu não tinha pecados! Eu era boa por natureza! Eu era perfeita! E eu me amei!
A vida nos traz um peso enorme: o corpo. O corpo, a carne, vem com o pecado, com o erro, com a inveja, a raiva, o ódio. Esses sentimentos se impregnam na carne e confundem a mente. Mas eles não podem alcançar a alma, não a luz que eu vi, aquela centelha é intocável, imaculada, é e sempre será pura, porque assim ela foi criada.
O Deus que eu criei, hoje vive dentro de mim, dentro do meu ser, e eu não preciso de mais ninguém para alcançá-lo. Eu continuo a praticar e a estudar os idiomas. Eu continuo a frequentar o centro espírita às segundas feiras, a ler livros sobre o budismo e a praticar meditação sempre que possível, não porque eu precise encontrá-lo, mas porque essas práticas me ensinam a domesticar o corpo e a mente que minha alma habita enquanto eu estiver aqui.
Me ajudam a controlar minhas tendências negativas, meus pensamentos inferiores, a ter paciência e principalmente: a ter humildade para aceitar que tudo que eu acho que sei não significa nada; e a ser grata, porque isso eu ainda estou aprendendo.



Namastê
“O deus que habita no meu coração, saúda o deus que habita no seu coração. Mais radiante do que o Sol. Mais puro que a neve. Mais sutil que o éter. Esse é o Ser, o Espírito dentro do coração de cada um de nós. Esse ser sou eu, esse ser é você. Somos todos nós, Está em você, está em tudo.” font Sancritos M.V.